Num recente artigo de opinião no Financial Times, Frances Haugen[1] dá nota da suprema importância da sociedade civil na protecção dos nossos valores democráticos e das nossas liberdades. A cientista de dados usa exemplos factuais para defender o acesso a dados das plataformas de redes sociais, por parte de organizações internacionais, sustentando que só dessa [...]

Num recente artigo de opinião no Financial Times, Frances Haugen[1] dá nota da suprema importância da sociedade civil na protecção dos nossos valores democráticos e das nossas liberdades. A cientista de dados usa exemplos factuais para defender o acesso a dados das plataformas de redes sociais, por parte de organizações internacionais, sustentando que só dessa forma é possível combater notícias falsas, desinformação, em diversas línguas, sem ser necessidade de recorrer a organizações da sociedade civil. Questiona aliás, que outra forma existirá, por exemplo para rastrear a disseminação de notícias falsas numa língua como o checo, sem ser com “olhos no terreno” que só a sociedade civil consegue ter.

 

Sem prejuízo de ser fundamental esta actuação de organizações e associações independentes, considero que a importância da sociedade civil extravasa em muito esta questão. Seja porque estas organizações ocupam espaços em que a Administração Pública não consegue ou não tem competência para prestar serviços (da saúde, ao apoio aos sem abrigo, ao acolhimento de refugiados), seja porque ocupam também um espaço de diálogo e definição de propostas colectivas acabando por estabelecer um melhor equilíbrio político (do nível da nossa freguesia ao nível nacional). Ou seja, da “fiscalização”, com aspas mais ou menos ténues, ao estabelecimento de pontes para discussão, a sociedade civil é essencial a um estado democrático.

 

Se é certo que uma sociedade civil menos desenvolvida, menos interessada, não faz aumentar o surgimento de forças políticas nas franjas (ou para lá) dos limites democráticos, certamente se poderá afirmar que a sua prostração não ajuda à promoção do desenvolvimento da democracia, dos interesses colectivos e nem das minorias. Sem movimentos ou organizações que discutam temas como o clima, ambiente, questões de género ou os direitos das minorias, só menor equilíbrio político e social poderá sobrevir.

 

E o papel do político ou do gestor público não se confina a aceitar que a sociedade civil lhe possa ajustar ou afinar a direcção, por razões técnicas ou políticas, mas deve providenciar informação para que a sua participação e o seu espaço possam existir e funcionar. Mais do que isso, deve legislar para que, quando esses dados não são do controlo público, devam ser publicitados, em linha com o artigo citado inicialmente.

 

Recordemos as palavras de Barack Obama, na abertura do Open Government Partnership em 2014, sobre a importância de suportar a sociedade civil: “porque ao longo da história, o progresso tem sido sempre impulsionado por cidadãos que têm a coragem de ter voz, e imaginar não apenas o que é, mas o que pode ser, e que estão dispostos a lutar para criarem a mudança que procuram”.

Gonçalo Caseiro

[1] Cientista de dados mediatizada como denunciante do caso Facebook em 2021, após revelar um conjunto de documentos internos à Securities Exchange Comission e ao Wall Street Journal.